Atmosfera divina: o fogo sagrado do incenso


Nas mais diversas culturas, a abóbada celeste sempre foi a morada dos deuses. Mas, como entrar em contato com eles? O único elemento que o homem conseguia produzir e que subia aos céus, era a fumaça. Por isso, desde a Antiguidade mais remota, todas as religiões usavam o incenso para ligar a dimensão terrena a celestial. Subindo às alturas, a fumaça levaria mensagens, pedidos e oferendas aos deuses.


Hoje, qualquer vareta que desprenda perfume quando queimada, é chamada de incenso. Entretanto, o verdadeiro incenso - aquele que os três Reis Magos ofereceram ao Menino Jesus - era uma resina medicinal e aromática retirada de uma árvore cultivada na Arábia - o país dos Arômatos. Segundo o historiador Heródoto (séc. V a.C), "daquela terra ressecada, queimada pelo Sol, emanava um cheiro maravilhosamente suave, onde se misturavam os aromas do incenso e da mirra, da cássia e do cinamomo, todos nascidos dos ardores do fogo celeste". Para se ter uma ideia, dos principais componentes das fórmulas na Antiguidade, a mirra era tão valiosa quanto o ouro.


No tempo dos faraós, os egípcios importavam árvores de incenso da costa da Arábia e da Somália. Eles eram muito experientes na manufatura de bastões perfumados, pois a queima de incenso era muito importante em qualquer ritual. Quando davam graças à Ísis, após banharem-se, a primeira coisa que faziam era acender o carvão sobre o qual colocariam o incenso. Em adoração a Rá, o Deus-Sol, costumavam queimá-lo três vezes ao dia. E quando um faraó morria seu corpo era embalsamado com ervas aromáticas, pois isto asseguraria que seu Ba (íntimo) se libertaria com a fragrância, elevando-se para se unir com o deus Osíris.

Gregos e romanos utilizavam o incenso como oferenda e também para exorcizar os demônios. Na religião romana, uma das partes mais importantes das oferendas de sangue, libações, era a queima do incenso de olíbano, chamado de Masculumtus.


No Tabernáculo erguido pelo profeta hebreu Moisés, havia um altar reservado exclusivamente para a queima do incenso, preparado conforme receita do próprio Javé: estoraque (goma doce de origem vegetal), onicha (casca de molusco) e gálbano (outro nome do olíbano).

O Cristianismo demorou a adotar o uso do incenso em seus rituais, por considerá-lo judaico ou pagão. Somente no século IV a Igreja incorporou o incenso às missas. Hoje, a Igreja usa incenso queimado num turíbulo - uma espécie de altar portátil em diversas liturgias, representando a prece coletiva que chega até Deus.


No oriente, o incenso é uma tradição milenar. Chineses acendiam-no para lembrar os antepassados e também durante a consulta ao I Ching, como elemento purificador. O incenso simbolizava a perseverança representada pela constância de sua queima.



Na Índia, ele é usado há mais de 6000 anos. Aliás, foi por causa dos perfumes e especiarias indianos que os grandes navegadores do século XV se lançaram ao mar. Hoje a Índia é um dos maiores produtores de bastões perfumados, manufaturados artesanalmente em pequenas indústrias. Lá até os táxis carregam pequenos altares, onde são acesos incensos em oferta a Ganesha, deus da fartura (foto); e os comerciantes não abrem suas lojas sem que as oferendas estejam prontas: ninguém começa o dia sem acender um incenso, pois acreditam em seu poder de afugentar energias maléficas e criar um clima de paz e tranquilidade para auxiliar as atividades diárias.


ENERGIA DA TERRA

Principal elemento do ritual de oferendas a Krishna - o Aratik - o incenso simboliza a energia da terra. Nele, assim como na terra, encontramos todos os outros elementos: água, fogo, ar... É uma forma mais sutil do aroma da flor, e influencia todos os sentidos: o olfato, o tato, a visão, etc. Atingidos por um determinado cheiro, nos lembramos imediatamente de uma situação passada, da imagem, do som, da sensação e até do gosto que a acompanhavam.


O ritmo suave espontaneamente a serenidade e a contemplação. Por isso ele é muito usado para conduzir à meditação. A fumaça em espiral simboliza o poder da serpente adormecida na base da espinha e que nos remete a ascensão da kundalini - a energia vital.


O SIGNIFICADO ESPIRITUAL DO INCENSO

Nas cerimônias de adoração, os indianos fazem uma oferenda para agradar os quatro elementos da natureza: numa bandeja dourada repousam uma pequena chama, representando o elemento fogo; uma pena de pavão, que, ao ser agitada, cria o vento, o ar; um búzio cheio de água; e um incenso, onde estão reunidas as energias da terra.

 

Os incensos mais puros são feitos artesanalmente de esterco de vaca - animal considerado sagrado, por alimentar o mundo com leite -, resinas de árvores (ambos elementos combustíveis) e óleos essenciais naturais.


 

No ocidente, o hábito de acender um incenso criou força apartir dos anos 1960, com o movimento hippie. Naquela época, o máximo era cruzar as fronteiras do Oriente em busca de mestres espirituais e seitas exóticas. Na bagagem de volta traziam as varetinhas perfumadas, concedendo a elas o poder de "melhorar o astral".

 

Nos mosteiros, os perfumes doces eram usados para bloquear o apetite, ajundando a suportar o jejum durante as penitências.

 

O uso da fumaça tinha um valor simbólico muito positivo: associar o homem à divindade. A fumaça é a imagem das relações entre a terra e o céu. A coluna da fumaça se identifica com o eixo do mundo ou a espiritualização do homem.

 


No cachimbo sagrado dos índios da América do Norte, é possível citar, no conjunto dos fumos rituais de funções purificadoras, o incenso, resinas como copal; tabaco; madeira de cedro.

 

Por aqui, o incensamento perfumado dos cachimbos ou charutos dos Pretos Velhos possui o poder envolver e proteger a aura dos frequentadores de um Terreiro. Assim como entre os índios peles-vermelhas, os cachimbos simbolizam a força e a potência do Homem primordial (o cachimbo é o corpo e a fumaça a alma). O hábito de assoprar ou baforar a fumaça nos passes ritualísticos na Umbanda, foi absorvido na aculturação dos povos ameríndios.

 

O significado do incensamento umbandista é purificar o espírito e fazer uma "faxina" no corpo físico.




O PODER DOS AROMAS: APRENDA A ESCOLHER O MELHOR INCENSO

A oferta de incensos nacionais e importados é grande e nem a tarja made in India é garantia de boa qualidade: fabricado em larga escala, alguns produtos inferiores misturam cola, serragem, corantes e perfumes químicos. Quando inalados com frequência, podem provocar dores de cabeça, enjoos e mal-estar. Se isso acontecer, é sinal de que não é bom.
Os melhores têm aspecto úmido. Isso indica essências mais perfumadas e aromas duradouros.
Nunca cheire a caixinha a menos de 15 centímetros de distância do nariz, pois terá a falsa sensação de que o aroma é muito forte.
Depois de escolher o seu incenso, o passo seguinte é decidir pelo aroma que combina melhor com a atmosfera que você quer criar:
Olíbano - feito com resina das árvores da África e da Arábia, melhora a respiração, é sedativo.
Mirra - resina oriental, serve de base para incensos, perfumes e remédios. Purifica e acalma.
Sândalo - a árvore do sândalo cresce no leste da Índia e na China. É afrodisíaco e serve para meditação, pois aquece, favorecendo o relaxamento.
Jasmim - originalmente cultivado na Argélia, Marrocos, China, Egito e Turquia. O aroma é afrodisíaco e antidepressivo.
Rosa - é calmante, afrodisíaco e antidepressivo; harmoniza e favorece o clima de romance.
Alecrim - estimula corpo e mente.
Cânfora - é antibactericida, refrescante e relaxante.
Lavanda - tem efeito calmante.
Laranja e limão - estimulam o apetite e espantam a tristeza.
Canela, cravo e especiarias - ativam a mente e o apetite, têm efeito estimulante.
Ao acender uma vareta não assopre a chama. Na saliva, existem milhares de micro-organismos que, com o sopro, são incinerados - o que não combina com a questão elevatória do incenso. Ao invés disso, rode a vareta no sentido horário.
 

QUEIMA E REGENERAÇÃO

Segundo o metafísico Charles Filhote, a simbologia da queima do incenso é a mesma da transmutação, onde todo corpo se transforma em organismo de caráter permanente, acabado, não precisando mais de aperfeiçoamento.


Sua queima também está relacionada à ideia de regeneração, simbolizada no mito da Fênix - ave que renasce das próprias cinzas, após ter-se queimado na fogueira que ela mesmo acendera amontoando incenso e mirra. A cinza final do incensamento tem um papel importante: ela é o pó da projeção alquímica, da pedra abençoada dos adeptos, o pó vermelho da imortalidade, etapa final da transmutação de Tudo.

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