Os martírios de São Sebastião



Muito conhecido no Brasil, São Sebastião é o padroeiro da cidade do Rio de Janeiro. O santo passou a ser venerado na antiga capital do país após a sangrenta batalha que expulsou os huguenotes, protestantes franceses, do litoral brasileiro. Dizem que o santo surgiu milagrosamente no meio de uma fumaça empunhando uma espada reluzente ao lado dos índios e dos soldados portugueses, e de lá para cá, o dia 20 de janeiro passou a ser a data mais celebrada do que a da fundação da cidade, em 1º de março de 1565.



Conta-se, que Sebastião era filho de uma família ilustre de Narbonne, França, tendo ficado órfão de pai ainda menino. Levado para Milão por sua mãe, passou os primeiros anos da juventude cercado pelos melhores professores. Alistou-se no exército romano em 283 e ocupou o posto de Comandante do Primeiro Tribunal da Guarda Pretoriana durante o reinado de Diocleciano - um dos mais severos imperadores - mais conhecido por ordenar a perseguição aos cristãos.


Enquanto servia, Sebastião soube da prisão dos irmãos Marcus e Marcellino, acusados de defenderem a fé cristã em praça pública. Mas, o que poucos sabiam, é que o principal homem de Diocleciano também era um defensor do cristianismo. Segundo o Livro dos Santos, Sebastião aproveitava-se da situação privilegiada para, secretamente, converter políticos, soldados e prisioneiros. Ao se descoberto, foi detido e levado a presença do Imperador. Interrogado, não negou a sua fé. Foi condenado a morrer pelas flechas de seus próprios soldados. O cruel Diocleciano exigiu que o corpo do traidor fosse flechado a ponto de ser este confundido "com um ouriço". Amarrado a um madeiro, Sebastião foi alvejado pelos arqueiros que antes comandava.


A representação iconográfica mais comum que temos do santo é a do seu corpo flechado amarrado a uma árvore. Entretanto, segundo várias lendas, Sebastião foi resgatado ainda vivo por duas mulheres chamadas Irene e Luccina que retiraram as flechas e trataram-lhe as feridas (imagem acima). Mas, assim que se recuperou, Sebastião invadiu o palácio e acusou o Imperador pelos crimes e injustiças cometidas contra os cristãos. Surpreso com a ousadia, Diocleciano ordenou que Sebastião fosse morto a pauladas. E que o cadáver, após ser esmagado com bolas de chumbo, fosse jogado nos esgotos da cidade para servir de exemplo a todos que insistissem na conversão aos pensamentos de Cristo. Era o dia 20 de janeiro de 288.


O corpo de Sebastião foi levado para as catacumbas romanas com honra e piedade. Conta-se que foi a partir de sua morte que passou a ser venerado pelas mulheres - seja pela sua virilidade ou pela coragem que o santo transmitia. Independentemente dos motivos Sebastião foi considerado o salvador de uma cidade inteira, na ocasião em que a Peste Negra dizimou grande parte da população, em 680. Os relatos afirmam que durante os três meses em que o perigo se estabeleceu, um monge ergueu um altar em honra ao militar romano. Desde então a praga desapareceu milagrosamente.


Muitos anos mais tarde, os restos mortais de São Sebastião foram transferidos para uma basílica construída em Roma, pelo Papa Dâmaso I e suas relíquias compartilhadas com um monastério francês. O crânio do mártir foi enviado para um mosteiro na cidade de Ebersberg, Alemanha, em 934, onde permanece até hoje em um relicário sagrado.

SÃO SEBASTIÃO E OS JESUÍTAS

Antes de ser retratado como hoje conhecemos Sebastião, o Comandante do Primeiro Tribunal da Guarda Pretoriana era na verdade um homem de meia idade, ostentava uma espessa barba branca e se vestia à moda romana - assim como é reconhecido num mosaico de 682, quatro séculos após a sua morte (imagem abaixo). Mas, por interesse da Igreja a imagem de Sebastião foi reconfigurada como veremos a seguir.

São, Sebastião, obra em mosaico - Basílica de São Pedro, Roma, Itália

No Brasil, influenciados pelo ideal das Cruzadas, os portugueses implantaram o "catolicismo guerreiro". Sempre que havia o perigo das invasões do protestantes franceses ou holandeses, os colonizadores pediam a proteção de três santos muito populares: Santo Antônio e São Jorge. A ideia de transformar São Sebastião em defensor da cidade do Rio de Janeiro partiu dos jesuítas. Segundo a professora de História medieval, Eledice Souza Couto, nos aldeamentos jesuíticos o papel de São Sebastião era supervalorizado como protetor contra as pestes. Partiu dos jesuítas a ideia de impor aos índios a culpa pelo uso das flechas, fazendo-os crer que somente o mártir seria capaz de curá-los de alguma doença infectocontagiosas ou resgatá-los da morte.

SEBASTIÃO, UM DEUS GREGO

É sabido que a figura seminua e jovem do santo identificou-se sincreticamente com as esculturas clássicas da antiga Grécia - mais precisamente as de Apolo, deus da Beleza - assim como grande número de divindades ao longo do florescimento do cristianismo primitivo. Para compreender os motivos desse processo de transição iconográfico - é necessário entender o contexto histórico em que o santo foi envolvido.

O RENASCIMENTO

Por volta do século XIV, um grande movimento intelectual conhecido como Renascimento agitou a Europa. Esse movimento se estendeu por aproximadamente 200 anos e marcou uma transição do mundo medieval para o mundo moderno. Inspirados, pela retomada do saber clássico, arquitetos, eruditos e artistas deram início a uma reavaliação filosófica do mundo, gerando uma reação contrária ao estilo gótico, já esgotado naquela época.

Nas artes plásticas, por exemplo, o Renascimento se caracterizou pela libertação quase absoluta do artista quanto às formas e aos cânones clássicos. As técnicas de pintura a óleo sofreram profundas modificações com o aperfeiçoamento dos efeitos de cor, luz e perspectiva. Além disso, tornou-se possível uma melhor apresentação gráfica da natureza viva, detalhando com clareza as sombras e as expressões corporais. A nudez passou a ser um conceito de beleza clássica, à exemplo das civilizações grega e romana. A expressividade do olhar e a erotização dos movimentos passaram a ser uma mera desculpa para representar a ausência de sofrimento e da elevação do espírito. A arte passou a se posicionar - não como uma simples observadora do mundo criado por Deus, mas como a principal expressão criativa Dele. Deste modo, as pinturas se tornaram mercadorias disputadas pela nova classe de ricos mecenas e as todas as igrejas ganharam o brilho de vários artistas. Destacaram-se nesse período Leonardo da Vinci, Rafael, Miguelangelo, Cellini, Bramante, Ticciano, dentre outros.


Logo, o martírio de São Sebastião deu aos pintores renascentistas a oportunidade de substituir Jesus por outro corpo masculino. O torso nu de Sebastião passou a simbolizar, de certa forma, Saúde, Força e Coragem. Não à toa, o santo tornou-se - além de padroeiro dos militares, o protetor dos atletas.

UM SANTO CONSIDERADO POP

Algumas curiosidades aconteceram com o passar do tempo. No final dos anos 1960, o polêmico pugilista Cassius Marcellus Clay Jr. - mais conhecido como Mohammad Ali - encarnou São Sebastião na capa da revista "Esquire" imitando a famosa pintura de Francesco di Giovanni Bottini, de 1465.



Mais tarde, a partir dos anos 1990, São Sebastião serviu de metáfora da AIDS e acabou transformando-se num ícone gay ao ser retratado em centenas de poses ousadas e provocativas em festas e boates.

Hoje, as flechas de São Sebastião servem também como analogia para as feridas abertas de uma sociedade adoentada. E ainda servem para expressar situações ainda mais curiosas como no famoso desenho animado "Os Simpsons" - que na 16ª temporada exibiu o episódio intitulado "O Pai, o Filho e o religioso". Nele, o santo aparece como um super-herói ainda desconhecido de Bart, que para desespero da família, desiste de ser protestante para se converter definitivamente ao catolicismo. Veja o vídeo abaixo:



NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

No Rio de Janeiro, São Sebastião é sincretizado com Oxóssi, na Umbanda; e na Bahia, com Ogum, no Candomblé. Mas sobre a sincretização do Orixá escreverei a seguir. Acompanhe os próximos artigos!

Priom
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