Ósculo Santo: foi com o beijo que Deus deu licença ao diabo


O beijo, saudação tradicional entre os apaixonados e membros de uma família, tornou-se um forte símbolo de unidade quando os primeiros cristãos passaram a trocar entre si. Os beijos dados geralmente antes da partilha da Eucaristia tinham a intenção de celebrar o fato de que os homens e mulheres da comunidade serem "irmãos e irmãs em espírito" através do amor de Cristo. O ósculo santo era uma maneira de lembrar o amor de Jesus pela sua Igreja.


 

Mas o primeiro grande problema que a Igreja primitiva encontrou foi com a tradução da palavra grega philema (beijo), derivada do verbo philein, amar. Pois, como o apóstolo Paulo ordenava que os fiéis se saudassem através de um "beijo", essa prática ajudou a despertar boatos de abusos entre os primeiros cristãos. O breve contato dos lábios no rosto ou na boca trazia outros e mais sérios problemas, como o de evitar que os beijos se tornassem - digamos - carnais.

 


O fato de alguns "irmãos e irmãs" gostarem tanto dos óculos obrigou a Atenágoras, apologista do século II, a aconselhar que os beijos litúrgicos deveriam ser um ritual "cautelosamente observado". Foi desta forma que Licínio, co-imperador de Constantino, proibiu os cultos cristãos em assembleias mistas justamente por "rumores de beijos desregrados" e da promiscuidade generalizada...

 


Nas ágapes, festas cristãs que consistia em uma refeição comum com a qual era celebrado o Amor Eucarístico, já corriam boatos de orgias generalizadas regadas a vinho - como as que ocorriam em Roma e na Grécia. Somente mais tarde, após as condenações, as ágapes - que ironicamente significava "amor" - passaram a ser sinônimo de banquete ou almoço de confraternização de caráter estritamente social- como as ágapes que acontecem hoje em dia.

Durante as missas, os amantes esperavam ansiosamente pelo ósculo. Esse era o momento ideal para dizer palavras eróticas ao pé do ouvido das recatadas senhoras.


Apesar dos boatos de libertinagem e das tentações físicas por parte dos fiéis, a Igreja procurou manter firmemente a prática do ósculo. 

Mas pouco a pouco a troca de beijos foi modificada. Com o tempo, surgiram normas que permitiam somente aos homens se beijarem entre si; e as mulheres, beijar as mãos cobertas deles. No final da Idade Média, a Igreja sugeriu trocar os beijos por um delicado toque nos ombros ou por uma discreta inclinação da cabeça.


 

ENTRE O PROFANO E O SAGRADO - A EUCARISTIA NO BRASIL COLÔNIA
Apesar dos descontroles internos, a Igreja sempre procurou se posicionar duramente sobre os assuntos que diziam respeito ao indivíduo, suas inclinações, sentimentos de foro íntimo e absolutamente privado. Ela considerava a sexualidade matéria de sua alçada e levava o sexo à categoria do sagrado voltado exclusivamente para procriação.


 

Diferente do que acontecia na Europa, onde se buscavam locais apropriados e reservados para o pecado (como as casas de tolerância), no Brasil Colônia as relações pecaminosas eram praticadas em muitíssimos lugares, inclusive na igreja, santuário do catolicismo. 

Nem as igrejas escapavam do sexo, como nos conta a historiadora Mary Del Priore no delicioso texto intitulado "Deus dá licença ao Diabo". Dentro das paredes sagradas das igrejas brotavam romances, em meio às missas, enquanto o padre entoava as palavras eucarísticas que muitas mulheres repetiam em casa para seus esposos. Alguns maridos suspeitavam das idas e vindas e da fé inabalável de suas esposas, mas acreditavam que aos pés do Cristo Salvador não haveria lugar para o pecado. Entretanto, era justamente nas igrejas que se abrigavam os amantes ansiosos por dizer palavras eróticas ao pé do ouvido das recatadas senhoras... exatamente no "momento sagrado" do ósculo!

  

 

E não é de admirar que a igreja passasse a ser o espaço por excelência das sociabilidades, do encontro dominical das famílias e das festas religiosas. Era ali durante as missas e dos ofícios divinos que se iniciavam muitos flertes, namoros - e quando não - adultérios.

 

Hoje nas missas católicas, os padres aconselham os fiéis, antes de partilharem a Eucaristia, a manifestar o espírito de unidade cristã - não com um ósculo - mas apertando enfaticamente as mãos da pessoa ao lado num gesto conhecido como "sinal de paz" e pronunciando amistosamente no final a frase "Na Paz de Cristo!".

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2 Comentários:

  1. Querido amigo Pryom muito bom, Não sabia o porque do beijo e como se originou. Obrigada

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    1. O Conhecimento sobre a religiosidade humana é sempre salutar, minha amiga! Obrigado pelo comentário! Namastê!

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