Suicídio (será que podemos falar sobre isso?)


Para todas as religiões, o suicida é considerado um egoísta. Para a psiquiatria, alguém que precisava ser ouvido.
 

CENA 1

Fim da tarde. Engarrafamento monstro com reflexos na Zona Sul da cidade. Sirenes. Helicópteros. Um homem ameaça suicídio na Ponte Rio-Niterói, Baía de Guanabara. Segundo informações da polícia, Gervásio Lopes, de 26 anos, amarrou uma corda no pescoço e permaneceu durante duas horas no ponto mais alto da ponte prometendo se atirar. Numa carta, Gervásio revelava que, por estar desempregado, corria risco de prisão por não pagar a pensão alimentícia à ex-mulher. Em outro trecho da carta, ele lembrava que criminosos e políticos corruptos não sofriam o mesmo tratamento pela justiça. (CORTE)


CENA 2
No interior de um carro, um motorista amaldiçoa o idiota que interrompera o trânsito. Acabara de ouvir no rádio que um homem tentava suicídio num dos acessos à Ponte justamente naquele dia que imaginava chegar mais cedo em casa. Precisava tomar um banho, jantar, dormir. Estava esgotado. Tivera tantos compromissos naquele dia. No ambiente confortável e refrigerado do carro imaginou ligeiramente o que levaria o pobre diabo a dar cabo da própria vida. Mas suspirou aliviado: ainda bem que esses pensamentos abrasivos nunca o assaltaram – mesmo que tivesse mil razões para imitar o tresloucado. Bastavam notícias ruins. No rádio procurou sintonizar outra emissora. Queria ouvir pelo menos uma música relaxante. Por coincidência um verso de uma canção sobre a vida preencheu o ambiente confortável do carro: “Ninguém quer a morte: só saúde e sorte”. Era o famoso samba de Gonzaguinha. (CORTE)



O QUE DEVEMOS SABER SOBRE ISSO


O que você acabou de ler poderia ter sido um roteiro de cinema, mas foi um fato verídico. Felizmente, Gervásio não cometeu suicídio naquela tarde. Ele foi detido pela polícia; depôs e liberado em seguida. Além da confusão que provocou na cidade, ele conseguiu atrair a atenção para um assunto muito grave atualmente - o suicídio. O ato insano jogou luz sobre um tema delicado e fez refletir filosoficamente sobre um problema de saúde pública.


Pensar na vida e tão difícil como pensar na morte. Para muitos, viver é trivial, principalmente quando pensamos na morte dos outros, não na nossa.



Schopenhauer dizia que nenhum suicida deseja morrer - o suicida deseja mudar de vida. Eles procuram sinalizar que desejavam livrar-se de um problema que lhes tornou a vida insuportável.


Augusto Cury, no livro O Vendedor de Sonhos, encontrou soluções motivadoras para um problema que atinge um universo silencioso da nossa sociedade. Há alguns anos, por conta do tabu, seria difícil imaginar que esse assunto pudesse ser abordado de uma forma intensa. Mas foi a própria literatura que ajudou a criar no passado uma atmosfera sombria sobre o tema. A Divina Comédia, de Dante Alighieri, por exemplo, conta que as almas dos suicidas eram enviadas diretamente para o Sétimo Circulo do Inferno e lá transformadas em árvores retorcidas onde as Harpias, aves com seios e rosto de mulher, se alimentavam das folhas e faziam seus ninhos nos galhos causando sangramento e dores insuportáveis.


Não sei se você já percebeu, mas existe uma recomendação velada no jornalismo para que esse assunto não frequente o noticiário. No ano passado surgiu um boato que dois grandes atores brasileiros haviam cometido suicídio, mas nada foi comentado. Parece que qualquer repercussão ou comentário sobre o problema macula a vida espetacular que uma celebridade teve nos palcos.


Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma pessoa comete suicídio a cada 45 minutos no Brasil e 90% deles poderiam ser evitados se o assunto fosse tratado como uma emergência médica. São registrados aproximadamente 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade que acontece principalmente entre os jovens. Cerca de 97,8% desses casos estão relacionados a transtornos mentais (em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias químicas). Se pudéssemos falar sobre isso ajudaríamos a combater e derrubar mitos que propiciam julgamentos morais que dificultam a busca por ajuda de quem precisa. Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) organiza o Setembro Amarelo e faz campanha nacional durante todo o ano.



Durante a minha Caminhada Espiritual, conheci muitas pessoas que confidenciaram o desejo de "desaparecer deste mundo" e todas apresentavam estágios depressivos ou de conturbação mental. Como médium, sempre fui preocupado com o comportamento e a forma como chegavam - a maioria, abalada com o que ouviam de pessoas que se diziam porta-vozes de Deus ou veículos de entidades espirituais. Eu as ouvia e procurava desatar todos os nós provocados por mitos ou interpretações alimentadoras de antigos preconceitos. Infelizmente ainda encontramos casos como esse - principalmente depois de ter vivenciado esse ano terrível. Grande parte desse problema é a cultura imposta pela religião.


COMO AS RELIGIÕES JULGAM O SUICIDA


Nenhuma religião ou fé religiosa tolera o suicídio: para todas o suicida é culpado e considerado um egoísta. Para a religião católica, um excomungado.



Para a Doutrina Espírita, o suicida também é mal visto, mas a palavra suicídio pode ser interpretada de forma indireta: adotar vícios corrosivos como o fumo, bebidas ou excessos alimentares é encarado como uma autossabotagem espiritual de projeções incalculáveis ao espírito. E o Espiritismo dá uma ideia desconfortável para onde vão as almas dos suicidas: o umbral, as trevas.


Na Tradição Iorubá, aqueles que cometem o suicídio nunca alcançarão o céu tornando-se malignos. Terminarão para sempre dependurados nas copas das árvores, de cabeça para baixo, como morcegos.



Nas religiões pagãs não encontramos consenso, mas todas elas veem o suicídio como uma violação dos laços divinos.


No hinduísmo, o suicídio é considerado um pecado moral que acelera a intensidade do carma. Em circunstâncias normais, os rituais dados às almas destes não é realizado. Acredita-se que tal intenção seria uma maneira de enganar os deuses. A fé hinduísta define o suicídio como uma renúncia a Força Vital (pranatyaga). A religião possui um papel importante na vida das pessoas. Apesar disso, existem muitos suicídios entre eles, mas esse assunto não é discutido: é considerado um tabu. Quando um hindu comete suicídio, toda a comunidade se afasta da família a fim de evitar e atrair carmas da mesma. Em 2012, a Índia teve o impressionante registro de 135.445 suicídios - aproximadamente 15 suicídios por hora.


Nas escrituras judaicas não existem referencias ou algo relacionado ao suicídio, mas costumam usar a citação do Deuteronômio (4:15) para responder à pergunta sobre seus pontos de vista: “Guardareis cuidadosamente a vossa vida”. Para os judeus não guardar o Sopro da Vida é um pecado, porque o suicida renegou um presente Divino. Por isso, os suicidas são enterrados a uma distância de aproximadamente 5 metros dos demais túmulos em uma parte separada do cemitério e não recebem honras do luto.



Já a religião islâmica é a que possui uma postura mais rígida. Para eles, Alá é o autor da Vida e somente Ele pode tirá-la - ou dizer em que condições deve ser tirada. Assim como os hindus, os islâmicos evitam falar o nome daqueles que cometeram o suicídio e não se aproximam da família do mesmo. Todos acreditam que o suicida não atravessará os estágios evolutivos da alma, pois decidiram usar o livre arbítrio para romper o seu vinculo com o Criador.



Embora seja um tema delicado, a importância desse artigo é refletir  e fazer pensar de uma forma prática e solidária. O aumento de casos de depressão e suicídio aumentam após uma catástrofe natural ou sanitária como o cenário pós-pandemia no país. Situações particulares de angústia, solidão, desemprego e insegurança em relação ao futuro podem desencadear transtornos emocionais. Poucos são os que aproveitaram o silêncio de um ano tão conturbado para nomear suas incertezas. Como cantava Gonzaguinha, ninguém deseja a morte. Nesse momento, em algum lugar, alguém deseja ter saúde (mental) e sorte para ser compreendido pela sociedade.

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