Todos os caminhos levam aos ciganos



No início de março de 2012, suscitou-se uma grande polêmica. Um procurador da justiça do estado de Minas Gerais, chamado Cléber Eustáquio Neves, requereu a proibição do dicionário Houaiss, simplesmente porque “o verbete atribuía à palavra cigano uma forma pejorativa, preconceituosa e discriminatória”. Segundo ele, “cigano” significava, "trapaceador", “vagabundo” e "velhaco".



Essa polêmica - curiosa, diga-se de passagem - fez parte de uma enorme lista de regras politicamente corretas que assombraram a sociedade nos últimos cinco anos. Assim como as palavras, muitos hábitos e expressões passaram a ser revistos, criticados ou censurados (como o episódio da proibição da estátua do Buda em um shopping center, no Rio de Janeiro).

ACEITAÇÃO DO OUTRO

Todos sabem que por muitos séculos o povo cigano foi perseguido pelo preconceito – fortalecido e acentuado pelas lendas sobre magias e misticismo. Como a sua origem era considerada um mistério, surgiram os estereótipos que levaram a generalizações perigosas e serviram de apoio aos preconceitos. No mundo do entretenimento, dois filmes muito conhecidos ajudaram a manter esse sentimento de repulsa sobre os ciganos: o primeiro, "Água para Elefantes" flertava o cenário da ganância, da paixão e da exploração humana. Já o livro “A Maldição do Cigano”, de Stephen King (sob o pseudônimo Richard Bachman) estimulava o imaginário popular sobre a maldição cigana, das palavras mágicas e do sobrenatural. Esse livro (Thinner, título em inglês) também virou filme, em 1996. Ambos merecem ser lidos e assistidos.



A mendicância, os roubos e as trapaças ajudaram a solidificar essa imagem traiçoeira e faziam parte da difícil caminhada dos ciganos. Mas eles precisavam ser compreendidos historicamente. O choque cultural obrigou os ciganos a utilizar a arte da sedução para sobreviver dentro de uma sociedade preconceituosa. Se a única coisa que sabiam fazer era livre dos impostos sociais, eles procuravam se exibir cantando ou dançando. Por que não reunir em um só local os domadores de cavalos selvagens, os atiradores de facas e a arte mambembe para driblar a xenofobia? Foi assim que no passado surgiu o circo itinerante. A lona que hoje vemos estendidas sobre as nossas cabeças era o abrigo de uma kumpania, que tentava se estabelecer seu status na economia local.



Mas o que mais impressiona, hoje em dia, são as notícias do crescimento de partidos políticos de extrema-direita na Europa, que gritam palavras de ordem contra imigrantes, judeus e - principalmente - ciganos. São exemplos clássicos de xenofobia, que baseados na desculpa da atual crise econômica, apóiam a proposta de colocar os filhos desses últimos em internatos para evitar a “influência” dos pais. Ou, como diz um professor húngaro, a tentativa de botar os ciganos em campos de reeducação!


ESCREVENDO O NOME "CIGANO" NA HISTÓRIA




O que leva muitos especialistas a acreditar que a Índia é o país de origem é a semelhança da língua falada pelos ciganos, o romani ou romanês, com o sânscrito - antiga língua clássica da Índia, a mais velha da família indo-européia. 

A impressionante mobilidade deste povo, que, tendo chegado ao mundo bizantino no século XIV, já no século XV, se encontrava espalhado por toda a Europa - inclusive na Polônia. De início, por estarem de passagem, eram considerados "maravilhosos" pelo povo daquele continente. Porém, num convívio mais duradouro, passaram a ser considerado um estorvo, um perigo. Para serem taxados como inimigos da sociedade, “estrangeiros”, “vagabundos e arruaceiros" foi um pulo! 

Na Grécia, onde permaneceram durante um longo período, os ciganos eram chamados atsínganoi (escrito também athínganos ou athígganos), que significava "intocáveis" ou "sujos". Aliás, esses nomes pejorativos deram origem a uma seita de músicos e adivinhos conhecidos no mundo bizantino como os Boêmios. Foi ainda na Grécia que, além de adquirem uma série de características daquela cultura, conviveram com inúmeros peregrinos, admiradores e considerados viajantes privilegiados. Assim tornaram-se nômades. Ao chegar à Romênia, por volta de 1370, os ciganos foram escravizados pelo Estado, pelo clero e pelos proprietários de terras. Foi um período de grande sofrimento na história da tribo e somente no século XIX é que cerca de 200 mil ciganos foram libertados naquele país.



Em quase todos os países europeus os ciganos sofreram sanções da lei, tais como pena de morte, trabalhos forçados e degredo. A Europa, sem saber mais o que fazer com eles, começou a deportá-los para suas colônias na América e na África. O primeiro cigano que chegou ao Brasil-colônia, foi João Torres, em 1574, na condição de degredado depois de ser condenado pela Inquisição portuguesa. Muitos vieram depois de João. Aqui, por sua vez, também sucederam-se alvarás, leis e decretos, na tentativa de controlar a vida dos ciganos em um continente de grandes dimensões, onde o que não faltava eram terras para se caminhar. E os ciganos, literalmente, abriram caminhos.

Desbravadores atuantes na história do Brasil, eles também participaram das expedições bandeirantes (embora alguns historiadores ignorem). Conta-se que, durante o desbravamento, também estiveram envolvidos no tráfico de escravos negros. Pura ironia: à mesma época, outros ciganos eram escravizados na Romênia. Vai entender!



À GUIZO DE INFORMAÇÃO: a palavra VELHACO (aquela que deu origem à polêmica no início desse texto) tem origem na língua celta: bakallakos. Significa pastor, camponês, homem que vive no campo. Foi através do espanhol que a palavra bellaco, acabou tendo a significação de “homem de má vida nos negócios” ou “aquele que não merece respeito”. Foi assim que o Dicionário Houaiss adequou como quinta acepção a palavra VELHACO, que acabou se transformando em sinônimo de cigano, "aquele que trapaceia".



Priom
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